Traduzido do francês por Otto Sanchez-Crespo da Rosa (Universidade de São Paulo) e Gisele Zanola (Universidade de São Paulo).
Introdução
Por que essas aspas em “clássico” no título da minha intervenção? Para dizer que, na realidade, não houve neoliberalismo clássico, mas sim um liberalismo clássico, certamente heterogêneo, cujas correntes têm contornos claramente identificáveis (naturalista com Smith, utilitário com Bentham, jurídico-político com Locke). A razão para essa inexistência é que o neoliberalismo é atravessado desde o início por tensões e divisões internas, e é caracterizado por sua pluralidade interna, sua plasticidade e sua capacidade de mutação. Este ponto é fortemente enfatizado por Wendy Brown (2018, 22): longe de ser unificado, o neoliberalismo é mais caracterizado por “seu caráter irregular, sua falta de identidade consigo mesmo, sua variabilidade espacial e temporal, e, acima de tudo, sua propensão à reconfiguração”. Por conseguinte, temos de falar preferencialmente de um “velho” e de um “novo” neoliberalismo, a fim de destacar melhor o caráter plural, proteiforme e plástico desses neoliberalismos.
O termo “neoliberalismo” foi inventado pelo industrial francês Louis Marlio durante o Colóquio Walter Lippmann, em 1938, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Depois disso, assumiu um significado tão vago que se faz importante apreendê-lo de modo mais preciso. Com efeito, deve-se evitar que seja invocado o tempo todo, de maneira indiscriminada e indiferenciada, como um termo genérico e não como um conceito; ou, ainda, não pode ser reduzido a um registro puramente denunciatório, o que tem como efeito engolir todas as diferenças na “noite em que todas as vacas são pardas”, como diria Hegel, tornando-nos incapazes de determinar em cada situação o que consiste numa política neoliberal e o que não consiste. Isso porque pode acontecer que um governo que não seja neoliberal por sua ideologia ou inspiração intelectual, no entanto, implemente uma ou mais políticas neoliberais, devido à coação mundial exercida pelo neoliberalismo como sistema atual de poder. Houve o caso, há alguns anos, de vários governos da América Latina (Brasil, Venezuela, Chile, Bolívia, Equador) terem sido reunidos sob o rótulo, de um modo tanto enganoso quanto autopromocional, de “pós-neoliberalismo”, ao mesmo tempo em que estavam implementando políticas neoliberais. Tem-se hoje o caso do governo de Orbán, campeão da “democracia iliberal”, que conseguiu aprovar uma lei de trabalho “escravagista”, que autoriza os empresários a impor aos seus funcionários 400 horas extras de trabalho nas quais o pagamento pode ser adiado por até três anos, algo que é perfeitamente neoliberal tanto em sua letra quanto em seu espírito. É de extrema importância, pois, compreender a diversidade dos neoliberalismos ao mesmo tempo que sua lógica profunda.
O neoliberalismo, um “fundamentalismo de mercado”
A ignorância da pluralidade das correntes de pensamento interna ao neoliberalismo é, em grande parte, responsável pelo uso indiscriminado deste termo e pela confusão persistente que ele implica. Em 1983, um dos estudantes de Hayek, o jurista no campo da economia internacional Ernst-Ulrich Petersmann, escreveu: “o ponto de partida comum da teoria econômica neoliberal é a visão segundo a qual em qualquer economia de mercado plenamente operante a ‘mão invisível’ da concorrência de mercado deve ser complementada necessariamente pela ‘mão visível’ do direito” (citado por Slobodian 2018, 7). Ele listou as conhecidas escolas neoliberais: a Escola de Freiburg, o local de nascimento do ordoliberalismo alemão e lar de Walter Eucken e Franz Böhm; a Escola de Chicago, identificada com Milton Friedman, Aaron Director, Richard Posner e outros; e a Escola de Colônia de Ludwig Müller-Armack. Depois, mencionou uma escola virtualmente desconhecida: a Escola de Genebra.
Virando as costas para essa pluralidade, a maioria das histórias do movimento neoliberal começa na Europa continental com os encontros dos anos 1930 e 1940, mas, em seguida, desloca seu olhar para os Estados Unidos e para a Grã-Bretanha antes da abertura neoliberal de Reagan e Thatcher nos anos 1980. Tal deslocamento é acompanhado por uma ênfase bem marcada na Escola de Chicago e em Milton Friedman, em particular. A partir disso, uma certa vulgata foi construída, que o livro de Naomi Klein sobre a “doutrina do choque” ajudou a alimentar e a disseminar à sua própria maneira, embora já existisse antes de sua publicação em 2007. Não se trata de discutir aqui o que a autora chama de “terapia de choque”, implementada no Chile em 1973 pelos Chicago boys, posto que eles sem dúvida exploraram o estado de choque que se seguiu ao golpe de 11 de setembro, mas apenas a concepção do neoliberalismo que fundamenta toda a análise. Desde a Introdução da obra, os principais ingredientes dessa visão são implementados. Em primeiro lugar, a ideia de uma “trindade estratégica” no coração do neoliberalismo: “eliminação da esfera pública, desregulamentação total das empresas e redução draconiana dos gastos públicos” (Klein 2008, 25). Em seguida, a tese de que essa ideologia, elaborada por Milton Friedman, é parte de uma variante do “fundamentalismo”, comparável aos fundamentalismos religiosos por seu fechamento e seu desejo de fazer “tabula rasa” (Klein 2008, 31). Por fim, a adaptação do esquema de Karl Polanyi sobre a “desinserção” da economia, que tende muito frequentemente a transformar o historiador húngaro da economia, que escreveu sobre o século XIX, em um crítico visionário do neoliberalismo. A citação de A Grande transformação em destaque na Parte I (Klein 2008, 35), incita, portanto, o estabelecimento de um paralelo direto entre a Revolução Industrial e a revolução neoliberal: assim como o credo da Revolução Industrial, o da revolução neoliberal seria “inteiramente materialista”, na medida em que postula que todos os problemas humanos poderiam ser resolvidos “mediante uma quantidade ilimitada de bens materiais”. Uma visão assim superficial faz pouco caso, entre outras coisas, da ambição neoliberal de moldar (façonner) a intimidade dos sujeitos. Como observa Q. Slobodian, com razão: “Nessa narrativa, o mercado é onívoro, transformando impiedosamente a terra, o trabalho e a moeda em mercadorias, até que a base da vida social tenha sido destruída” (2018, 16). Não é muito surpreendente que, nesta visão, o keynesianismo seja fortemente valorizado como antídoto para a desinserção implementada pelo “capitalismo fundamentalista”, isso quando não é apresentado como uma alternativa real.
A originalidade da Escola de Genebra
Em contrapartida a essa compreensão do neoliberalismo, Quinn Slobodian argumenta, em seu livro Globalists, que a metáfora adequada para o neoliberalismo não é aquela do “isolamento” (insulation) do mercado em relação ao Estado, mas sim do “enquadramento” (encasement) da economia mundial como fim imaginado para o projeto neoliberal (2018, 12–13). Para sustentar sua posição, ele se apoia em uma conferência dada por Röpke na Academia de Direito Internacional de Haia em 1955, na qual este fez da divisão e equilíbrio entre o mundo político do imperium e o mundo econômico do dominium a base de uma ordem mundial liberal. Tomando de empréstimo do Carl Schmitt do livro Nomos De La Terre (2016) sua partição em dois mundos, o do imperium e o do dominium, Röpke dá a esta divisão um significado positivo, ao contrário de Schmitt, que via algo de negativo, a saber, um obstáculo para o pleno exercício da soberania nacional (2018, 10). Do seu ponto de vista, apenas um “enquadramento institucional” poderia evitar brechas catastróficas das fronteiras entre imperium e dominium. As “brechas” se referem às intervenções do Estado ou de grupos de interesse que visam modificar as regras que devem reger o dominium. Mais do que por um mercado auto-regulado e uma economia que devora tudo, os neoliberais combatem em favor de uma regulamentação permanente das relações imperium e dominium, impelindo as políticas a reforçar o poder da concorrência de moldar e dirigir a vida humana. “O mundo normativo neoliberal não é um mercado sem fronteiras e sem Estados, mas um mundo duplo, preservado pelos guardiões da constituição econômica das demandas das massas em favor da justiça social e da igualdade redistributiva” (2018, 16).
E mesmo se alguns historiadores prestaram atenção à teoria da Escolha Pública de James Buchanan e de outros membros da Escola de Virgínia, a tendência geral tem sido a de se orientar por uma compreensão do pensamento neoliberal que pende para o lado anglo-americano. Mas os neoliberais europeus foram os mais atentos às questões da ordem internacional. Tanto os pensadores da Escola de Chicago quanto aqueles da Escola de Virgínia manifestaram a qualidade particularmente norte-americana de ignorar o resto do mundo enquanto reconhecia a América como um modelo para ele. Em contraste, os neoliberais da Europa central foram teóricos precoces da ordem mundial. Embora a história comece em Viena, a cidade suíça situada no lago de Genebra, lar da Organização Mundial do Comércio (a OMC), tornou-se a capital espiritual de um grupo de pensadores que buscou resolver o enigma da ordem pós-imperial logo após a Primeira Guerra Mundial.
De acordo com Quinn Slobodian, a Escola de Genebra constitui uma corrente do neoliberalismo que tem sido negligenciada pelos historiadores. A intenção desse historiador é justamente remediar a confusão causada pelo agrupamento de diversos pensadores sob o único termo genérico “neoliberalismo”. A Escola de Genebra lança luz sobre esses aspectos do pensamento neoliberal relativos à ordem mundial que permaneceram mais ou menos nas sombras. Essa escola inclui pensadores que ocuparam posições acadêmicas em Genebra, na Suíça, entre os quais Wilhelm Röpke, Ludwig von Mises e Michael Heilperin; aqueles que lá conduziram ou apresentaram pesquisas-chave, incluindo Hayek, Lionel Robbins e Gottfried Haberler; e aqueles que trabalharam no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), como Jan Tumlir, Frieder Rossler e o próprio Petersmann. Mesmo que partilhem afinidades com a Escola de Freiburg, os neoliberais da Escola de Genebra transpuseram a ideia ordoliberal da “constituição econômica” (ou totalidade das regras que governam a vida econômica) para a escala supranacional. Eles desempenharam um papel ativo nas organizações econômicas internacionais do pós-guerra. Criado em 1944, juntamente com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) ajuda a manter as taxas de câmbio estáveis e a possibilidade de conversão da moeda de uma divisa para outra. O GATT, assinado em 1947, propõe-se a reduzir as tarifas aduaneiras e outras barreiras ao comércio, e a eliminação de qualquer tratamento discriminatório no comércio internacional. Mas certamente foi a criação da OMC em 1995 em Genebra que marcou um coroamento dos esforços empregados pelos neoliberais para encontrar um “agente policiador” da economia mundial do século XX. Slobodian propõe denominar de “ordoglobalismo” a proposição da Escola de Genebra de repensar o ordoliberalismo à escala mundial (2018, 12).
Os neoliberais partidários das “federações” e do “duplo governo”
Os neoliberais deram um nome ao seu inimigo nos anos 1930 e 1940: o “nacionalismo econômico” tal como se desenvolveu na Europa do Leste pós-colonial, mais precisamente nos antigos territórios dos Habsburgo. A este inimigo, os neoliberais opuseram aquilo que Michael Heilperin apelidou, em sua contribuição para a conferência dos Estudos internacionais de 1939, de “internacionalismo econômico”. Essa política foi definida nestes termos: “uma política voltada a prevenir as fronteiras políticas de exercer qualquer efeito perturbador sobre as relações econômicas entre os territórios de ambos os lados da fronteira”. Em contrapartida, o nacionalismo econômico perseguia os objetivos da autossuficiência nacional, da autarquia, do “isolamento” e da “autonomia”. Os neoliberais viram o nacionalismo econômico como uma revolta contra a interdependência que não podia levar a outra coisa senão à fome ou às guerras de expansão.
Eles situaram a raiz do problema na tensão entre os princípios wilsonianos de autodeterminação nacional e de livre comércio econômico. Após a Grande Guerra, o mundo foi segmentado em pequenas unidades políticas, enquanto a tecnologia e as trocas assumiram a direção de um sistema econômico unificado em escala mundial. Como disse Louis Marlio: “É o contraste entre o estreitamento dos territórios políticos e as necessidades sempre crescentes dos mercados econômicos que quebraram a ordem liberal”. O empresário do primeiro neoliberalismo, William Rappard, diretor do Graduate Institute of International Studies, trouxe Mises e Röpke para Genebra nos anos 30, e organizou uma série de conferências de Hayek e Lionel Robbins no decorrer da mesma década. Estes dois conferencistas ofereceram a visão mais desenvolvida de um governo supranacional neoliberal, na proposta de um duplo governo do mundo. Eles propuseram federações amplas, mas soltas, no interior das quais as nações constituídas guardariam o controle da política cultural, mas seriam obrigadas a manter o livre comércio e a livre movimentação do capital entre as nações. Sua crítica se centrou, desde o início, não sobre o Estado enquanto tal, mas sobre a soberania dos Estados-nação.
Hayek e Robbins eram ambos membros da Federal Union, uma organização fundada em 1938, que tinha cerca de 12.000 membros em 1940. Em um artigo de 1939 na revista New Commonwealth Quarterly, Hayek elaborou a ficção de uma federação mundial do livre comércio, cujo objetivo seria romper a ligação entre cidadania política e propriedade econômica. Em 1978, ele dirá sobre este primeiro artigo que sugeria poder haver um duplo governo, um governo cultural e um governo econômico, o que lhe parecia na época a única forma de resolver o conflito de nacionalidades do Império Austro-Húngaro. Mais precisamente, ele se perguntava se não seria possível permitir que as nacionalidades tivessem seus próprios arranjos culturais e, no entanto, deixassem o governo central fornecer o quadro de um sistema econômico comum.
Em 1942, Röpke, colaborador de Hayek, Robbins e Mises, escreveu um artigo sobre “a necessidade de uma verdadeira união mundial, cuja estrutura deve ser autenticamente federal, isto é, composta por subgrupos regionais e continentais”. Ele extrapolou o modelo da Suíça para a escala global a fim de imaginar um mundo no qual os Estados-nação teriam a função de cantões. Ele retornou a essa ideia de federação na primavera de 1945, na conclusão de um livro no qual ele sugeria que a solução para a questão alemã residiria na descentralização do Estado bismarckiano em uma estrutura federal. Mas, em sua mente, isso não significava de modo algum um enfraquecimento do poder do Estado. Mesmo antes da guerra, em sua carta a Marcel Van Zeeland, um participante do Colóquio Walter Lippmann, Röpke já tinha colocado os “pingos nos is”:
É possível que na minha opinião sobre o assunto de um “estado forte” (le gouvernment qui gouverne) eu seja ainda “mais fascista” (faschistischer) que você mesmo, porque eu gostaria verdadeiramente de ver todas as decisões de política econômica concentradas nas mãos de um estado vigoroso e plenamente independente, que não seria enfraquecido por autoridades pluralistas de natureza corporativa… Eu procuro a força do Estado na intensidade, não na extensão, da sua política econômica. Como a estrutura constitucional jurídica de um tal Estado deveria ser designada é, nela mesma, uma questão para a qual eu não tenho nenhuma receita patenteada para oferecer. Partilho da sua opinião de que as velhas fórmulas de democracia parlamentar demonstraram elas mesmas a sua inutilidade. As pessoas devem se habituar ao fato de que existe também uma democracia presidencial, autoritária, sim, e até mesmo – horribile dictum – uma democracia ditatorial (Slobodian 2018, 116).
Por sua nitidez e concisão, essa tomada de posição vai ainda mais além do que a fórmula de um dos pais do ordoliberalismo, Alexander von Rüstow, de 1932, durante uma conferência em Dresden: “Estado forte e economia saudável”. Esta fórmula é literalmente retirada do título de uma conferência de Carl Schmitt pronunciada pouco antes daquele mesmo ano de 1932. O jurista, que temia então a vitória dos nazistas (ele se unirá ao nazismo em abril de 33), esboça a alternativa entre “Estado total” e “estado forte”: somente o estado forte, com um executivo reforçado (o presidente do Reich com o seu poder para promulgar decretos), pode se opor à tendência ao Estado total, quando um Estado Parlamentar é incapaz por causa de sua fraqueza. O Estado total, explica Schmitt em 1932, é um “Estado quantitativamente ‘total’ em razão da extensão de suas intervenções”. O filósofo do direito neo-hegeliano e socialdemocrata de esquerda Hermann Heller diagnosticará em 1933, na posição adotada por Schmitt em 1932, um “liberalismo autoritário”, forjando uma expressão que alguns gostam de enfatizar hoje o caráter premonitório. O Estado forte que defende Röpke não é, naturalmente, o estado total e não deve tender a ele, como indica a distinção entre a força do Estado em “intensidade” e a força do Estado em “extensão”, mas é inegavelmente um Estado que se tornou independente de toda pressão exercida pelas massas.
O imperium deve tomar a forma do Estado forte precisamente para cumprir a sua missão e melhor resolver as suas relações com o dominium. Em um curto artigo de 1934 em que argumentava que o capitalismo, corretamente compreendido, era ele próprio anti-imperialista, Röpke denunciou a confusão dos princípios do imperium e do dominium. Em 1942, ele reelabora estas categorias para melhor inscrevê-las a serviço da visão de mundo neoliberal. Dominium significa “dominação sobre as coisas”, imperium significa: “dominação sobre os homens”. Ele afirma: “Imperium e dominium são realmente duas coisas separadas, mas apenas num mundo liberal”. A seus olhos, a ordem neoliberal ideal deve manter o equilíbrio entre essas duas esferas, que correspondem à visão de um “duplo governo” previsto pelos neoliberais: haveria um mundo da economia e da propriedade coexistindo com outro mundo, o dos Estados-nação. Vê-se que nesta concepção a “separação” entre duas esferas não tem o significado que poderia ter para o liberalismo clássico. Aqui se trata de tornar o Estado capaz de realizar sua missão, de se tornar um Estado forte. Dito de outra maneira, a separação deve colocar o Estado ao abrigo de toda pressão de uma influência democrática, na medida em que isso seja necessário para salvaguardar a constituição econômica do mundo. Em 1955, na conferência já mencionada, pronunciada na Academia do direito internacional de Haia, Röpke dirá, sobre a diminuição da soberania nacional, que ela é uma das necessidades urgentes do nosso tempo, ao frisar que “o excesso de soberania deve ser abolido ao invés de transferido para uma unidade geográfica e política superior” (Slobodian 2018, 11). Em sua mente, “Estado forte” e “diminuição da soberania” não só não se excluem, mas vão de mãos dadas. Quanto à transferência da soberania a uma unidade superior, é exatamente o que Röpke vai censurar na Europa do Tratado de Roma.
O Tratado de Roma: cisão entre “universalistas” e “constitucionalistas”
Como explica longamente Slobodian (Slobodian 2018, 186–217), o Tratado de Roma, de março de 1957, provocou uma cisão… do movimento neoliberal em duas frações: por um lado, a geração mais antiga de neoliberais da Escola de Genebra que foram rotulados como “universalistas”; do outro lado, o mais jovem grupo de neoliberais que podemos chamar de “constitucionalistas”. Os universalistas contrários à CEE [Comunidade Econômica Europeia], como Wilhelm Röpke, Gottfried Haberler e Michael Helperin, expressaram fidelidade a um compromisso anterior favorável a uma integração global na escala mais ampla possível, aquela que foi defendida pela Liga das Nações e mais tarde pelo GATT. A seus olhos, o Tratado de Roma não criou a “Europa”, mas uma versão da “Eurafrica”. Em razão do acesso preferencial ao mercado europeu pelos impérios francês, holandês e belga como “Estados associados”, 90% do espaço territorial do Mercado Comum se situava fora das fronteiras da própria Europa. Para os universalistas, a Eurafrica aparecia como um meio de desintegração da economia mundial em nome da integração.
Os universalistas fizeram esforços concretos para sustentar o GATT contra a CEE. Em 1958, Haberler coassinou um relatório para o GATT criticando o protecionismo agrícola emergente da CEE e os subsídios pagos à agricultura nos EUA. O relatório Haberler tornou-se uma etapa importante na história do GATT e mais tarde da OMC. No entanto, apesar do zelo dos universalistas, seu globalismo continha um vício fatal: não possuía nenhum mecanismo de execução ou implementação. Depositando as suas esperanças no GATT, a primeira geração de neoliberais globalistas pôs a sua fé em uma organização sem força.
Enquanto uma fração dos globalistas neoliberais rejeitou o valor da integração europeia, outra viu nela uma ponte sobre o vão entre o plano institucional e a execução ou realização. Assim, nos anos 60, os neoliberais, incluindo Hans von der Groeben, Ernst-Joachim Mestmäcker e Erk Hoppmann entenderam o Tratado de Roma como uma “constituição econômica” e como uma base para futuros modelos de governança em vários níveis. O direito era central para esses neoliberais “pró-europeus”, muitos dos quais tinham exercido a função de juristas ao invés de economistas. Embora a discussão da federação feita por Hayek quase tenha se evaporado na sua obra do pós-guerra, os constitucionalistas adaptaram seus escritos ao propósito constitucional de reimaginar uma ordem supranacional. Em uma ironia notável, o projeto determinante do neoliberalismo a partir da Escola de Genebra brotou, no pós-guerra, no interior do projeto de integração europeia que os ordoliberais mais antigos tinham condenado. Ao mudar a escala da constituição econômica da nação para a federação supranacional, e, mais tarde, para o mundo, os constitucionalistas neoliberais semearam o campo do direito econômico internacional que emergiria nos anos 1970 e ajudaria a teorizar uma Europa integrada como modelo de governança econômica mundial.
Os austríacos e alemães que tinham proposto as soluções federais e supranacionais no decorrer dos anos 30 e 40 opuseram-se à integração europeia, receando que esta se tornasse um obstáculo à abordagem mais ampla do GATT, e que levasse ao contágio do dirigismo francês na Europa Ocidental. Pelo contrário, os neoliberais como von der Groeben e Mestmäcker tiveram um papel decisivo na aplicação da constituição econômica do Tratado de Roma. Von der Groeben assumiu uma posição de responsabilidade na Comissão Europeia para a Concorrência. Quanto a Mestmäcker, foi conselheiro especial da Comissão Europeia de 1960 a 1970. Ambos sofreram a influência direta de Hayek, que, em seu retorno a Freiburg em 1962, contribuiu para a reorientação do ordoliberalismo ao afastá-lo de sua obsessão pela concorrência perfeita, em favor da ideia da concorrência como um “processo de descoberta”. Mestmäcker, em particular, procurou reunir a atenção ordoliberal ao direito com essa ideia hayekiana, de modo a combinar Böhm e Hayek. Segundo ele, a natureza distintiva do modelo da CEE era o seu investimento “na criação de uma comunidade política por meio do direito”. Na sua leitura constitucionalista, a Europa seria uma “ordem jurídica supranacional” garantidora dos direitos privados, implementados pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Fratura interna à racionalidade neoliberal
A divisão que se manifesta hoje no interior do neoliberalismo é de natureza diferente? É parte de uma clivagem entre “liberais” e “nacionalistas”, como gostariam de nos fazer crer tanto Macron, Merkel e Junker, quanto Orbán, Trump e Salvini, que têm, todos, interesse em dramatizar as questões com objetivos eleitorais óbvios? De fato, os neoliberais atuais não repetem a cisão de 1957 entre “constitucionalistas” e “universalistas”, contrariamente ao que sugere Q. Slobodian em uma entrevista concedida ao Mediapart:1 os adeptos de acordos bilaterais, regionais ou locais, em vez de grandes acordos multilaterais, não são partidários de uma integração em grupos supranacionais, o que, pelo contrário foi, desde o início, o projeto de uma constituição europeia. Eles não defendem uma transferência de soberania para uma unidade política supranacional, mesmo restrita geograficamente; recusam qualquer transferência deste tipo em nome da defesa da soberania. Um Trump abandona a NAFTA ou a OMC à sua sorte enquanto procura acordos bilaterais com o México, a fim de obter deste último a contenção do fluxo migratório para os EUA. Há algo de novo e inédito na história política do neoliberalismo que não se deve procurar mitigar reduzindo-o ao já visto ou conhecido. A hipótese que proponho é a de ver uma fratura interna à racionalidade neoliberal, fratura que, por natureza, compromete alguns dos acordos elaborados nos anos 1990, notadamente em matéria de regras comerciais em escala mundial. O desafio dessa oposição interna ao neoliberalismo é a reorganização da economia mundial após a crise de 2008 dentro de um contexto de surgimento de novas potências (como a China).
Mas o que se deve exatamente entender por “racionalidade”? Nem uma ideologia nem uma política, mas uma normatividade, isto é, uma lógica de práticas governamentais que é ordenada por normas, das quais a primeira e mais importante é a concorrência. Queremos dizer com isso que o neoliberalismo não se reduz a uma espécie de políticas econômicas de austeridade ou monetaristas, ou à saturação da sociedade pelo fluxo de mercadorias, ou ainda, à ditadura dos mercados financeiros. Na realidade, ele consiste em uma extensão da lógica de valorização do capital para além da esfera do mercado entendido em sentido econômico, até o próprio Estado, a ponto de fazer dessa lógica a norma de nossas vidas e a forma de nossas subjetividades. Isso, muito além de uma simples “economicização”, chega até a constituição de uma forma de vida. Deste ponto de vista, a figura de Trump é exemplar: ele personifica, até nas suas práticas de governar, o Estado empresarial, e se vale constantemente de sua experiência de homem de negócios como dirigente de Estado. Ele se opõe, sem dúvida, à globalização comercial, mas se mostra muito favorável à globalização financeira. Isso é o que tem iludido alguns, como Ignacio Ramonet, que diagnosticou na vitória eleitoral de Trump uma ruptura com o neoliberalismo, confundindo, na verdade, a ruptura com a “ideologia globalista” e a ruptura com a racionalidade neoliberal.
Quando distinguimos entre “ideologia” e “racionalidade”, devemos garantir o máximo de prudência. A própria Wendy Brown voltou atrás em relação à distinção muito marcada entre neoconservadorismo e neoliberalismo, como se o neoconservadorismo e a defesa dos valores da família tradicional revelassem uma ideologia alheia à racionalidade neoliberal (Salmon 2018). Na realidade, o neoliberalismo tem combinado desde sua origem a defesa da moralidade tradicional e a extensão da lógica de mercado.2 Na medida em que seu sucesso crescia, ele foi conferindo um novo papel à família, a saber, de arcar com a assistência social em vez do Estado, juntamente com a educação, o cuidado das crianças e o cuidado dos idosos (Brown 2018, 8). Esse aspecto é hoje evidente. Deve-se, portanto, evitar confundir essa valorização da família e dos princípios morais tradicionais, que é constitutiva da racionalidade neoliberal, com essa ou aquela “ideologia”, no sentido de um sistema de crenças e representações, por exemplo, essa ou aquela religião (Islã sunita para a Turquia de Erdogan, a Igreja Ortodoxa para Hungria de Orbán, ou essa ou aquela variedade de protestantismo dos EUA). Isso não impede que o conteúdo dessas ideologias possa contribuir para reforçar mais ou menos diretamente a lógica neoliberal. Se se considera o caso do Brasil de Bolsonaro, lida-se com uma forma de religiosidade, a das igrejas evangélicas, batizada de “teologia da prosperidade”, que atua diretamente no sentido da lógica empresarial, valorizando o mérito individual às custas da intervenção do Estado e interpretando o sucesso material como o sinal da presença de Deus na vida do indivíduo.
A razão normativa e governamental do neoliberalismo foi estabelecida no final dos anos 80 e início dos anos 90. Ela não surgiu subitamente, mas foi preparada por múltiplas experimentações. Houve, assim, elementos de governamentalidade, mas que ainda não formavam verdadeiramente um sistema. Se se considera mais de perto o caso do Chile de Pinochet, pode-se ver que a ditadura pôs em prática esses elementos muito cedo, mesmo quando a estrutura do Estado não estava governamentalizada (será apenas nos anos 90, logo após a partida de Pinochet). Com efeito, uma das medidas mais significativas da “terapia de choque” do pós 11 de setembro [de 1973] foi a privatização das Universidades: com ela foi criado um quadro jurídico e institucional a favor do qual a conduta dos indivíduos será transformada profundamente e de maneira duradoura, no sentido de uma imposição da concorrência generalizada. Os efeitos dessa transformação se desdobraram plena e abertamente apenas após os anos 90, e continuam a se fazer sentir hoje.
No entanto, falar de uma racionalidade neoliberal não implica, de maneira alguma, equipará-la à ação de um rolo compressor indiferente à diversidade das situações, dos contextos culturais e tradições nacionais. A razão neoliberal, apesar de ser uma razão global, no sentido duplo, de “transversal” e de “mundial”, ainda não é uma razão unitária que exerce uma coação de homogeneização à escala mundial. Essa visão de uma homogeneização imposta à força se nutre da vulgata antineoliberal de um fundamentalismo de mercado e, em particular, da metáfora da tabula rasa, a qual Naomi Klein utilizou de maneira abundante na sua “Introdução” (2008, 31–32). Pelo contrário, deve-se estar atento à modulação diferenciada dessa normatividade de acordo com os países e as situações nacionais.
O governo de Salvini-Di Maio, na Itália, oferece um bom exemplo dessa plasticidade e hibridização internas ao neoliberalismo. Há uma situação complexa, na qual uma coalizão eleitoral entre um partido neofascista tradicional (a Lega) e uma nova formação (Cinque Stelle) conseguiu vencer para formar um governo. O equilíbrio agora está rompido em favor da Lega. Com efeito, a Lega Nord, um partido etnorregionalista que participou de numerosas coalizões governamentais de direita na década de 1990 e 2000, antes de voltar ao poder unindo forças com o movimento Cinque Stelle, é bem típica do que chamamos de “novo neoliberalismo”. Apoiando-se sobre um identitarismo voltado contra a imigração e um securitarismo igualmente virulento, a formação de Salvini adotou uma postura ao mesmo tempo nacionalista e neoliberal. Do seu lado nacionalista, é contra a União monetária, o euro e o livre comércio generalizado, visto que, segundo seus dirigentes, o “europeísmo” e o “globalismo” prejudicam a economia do país e o povo italiano. Do seu lado neoliberal, a Lega ataca toda a lógica redistributiva dos impostos e do gasto público, em especial com sua proposta de flat tax, e pretende apoiar, sobretudo, as pequenas e médias empresas, reduzindo os encargos e as normas que enquadram a produção e o mercado de trabalho. Como Trump, trata-se de reafirmar uma soberania comercial e, sobretudo, monetária, ao mesmo tempo em que liberaliza o mercado interno para o benefício de empresários, erigidos como heróis nacionais. Mas aquilo que, no contexto italiano específico, talvez melhor caracterize a Lega é a sua estratégia a longo prazo de reorganização interna do Estado italiano: visa-se reforçar a autonomia das regiões através do aumento das suas competências e seus recursos fiscais, de encontro a qualquer vontade de igualdade dos cidadãos ante os serviços públicos mais fundamentais. Não sem algumas semelhanças com os nacionalistas flamengos, esse neoliberalismo gostaria de permitir que a “livre concorrência” operasse entre regiões do mesmo país, em benefício daqueles que já têm mais recursos e que já são os mais ricos (a região Norte no que diz respeito à Itália), o que deu origem à fala de uma “secessão dos ricos” (Viesti 2019). Quanto à “renda da cidadania”, adotada pela coalizão para tentar dar a mudança ao eleitorado do Cinque Stelle, ela é parte de um “neoliberalismo paternalista”, adotando uma justa expressão de Massimiliano Nicoli e Roberto Ciccarelli (Le néolibéralisme paternaliste de l’alliance Ligue-5 étoiles en Italie: le cas du “revenu de citoyenneté”, apresentada no seminário GENA de 7 de janeiro de 2019): bem longe de favorecer a participação ativa da cidadania por meio da liberação do tempo, é composta por condições drásticas (rendimentos creditados a empresas de empregos temporários que contratam, reservados a estrangeiros estabelecidos por 5 ou 10 anos, salvo aqueles que são “merecedores”, sujeitos à aceitação de ofertas nas quais a terceira pode ser situada no outro extremo do país, implicando um controle da utilização do dinheiro para evitar gastos “imorais”, etc.), o que a torna um instrumento de moralização dos pobres e de disciplinarização da mão-de-obra para o maior lucro das empresas. Vê-se que, se a formação de Salvini conseguiu alargar a sua base eleitoral graças ao Cinque Stelle, ainda não conseguiu renunciar a lisonja de sua clientela eleitoral tradicional, do Norte de Itália. Neste projeto de Salvini, há três grandes regiões, a do Norte, correspondente à Padânia da Liga do Norte, que vai do Friuli ao Piemonte e que seria integrada na economia da União Europeia; a do centro, que incluiria a Toscana e a Umbria; e, finalmente, a do Sul, que iria do Lácio à Sicília. Portanto, há, simultaneamente, um nacionalismo identitário anti-UE e anti-imigrantes na relação com o exterior e um enfraquecimento, em um sentido quase federalista, da estrutura interna do Estado italiano, com base nas dificuldades históricas ligadas à unificação tardia da Itália. Ao contrário da posição tomada na França por meio da Assembleia Nacional, o nacionalismo identitário não implica, portanto, a promoção de um estado unitário centralizado, o que de modo algum impede uma lógica hiper-autoritária de se impor na ação do governo do chefe de Estado.
Outro exemplo é o da AfD [Alternativa para a Alemanha, em português] na Alemanha. Esse partido foi constituído a partir de uma plataforma ordoliberal centrada na exigência de estabilidade monetária e na recusa de qualquer solidariedade para com os países do Sul da UE. Ele joga com o imaginário da “economia social de mercado”, que é característico do ordoliberalismo desde a década de 1950 (Slobodian 2019). Aqui novamente, o nacionalismo é, antes de tudo, anti-imigrantes e anti-UE, sem que o Estado forte preconizado implique uma nova centralização em detrimento da estrutura federal.
O que é impressionante é que, apesar da diversidade de caminhos percorridos, seja por meio da legalização ou de modificações constitucionais, os neoliberalismos atuais não experimentam a necessidade de recorrer ao arsenal do “estado de exceção” teorizado por Agamben no início dos anos 2000. Assim, no Brasil, após as mudanças constitucionais iniciadas por Temer para impôr um teto aos gastos públicos, a reforma da previdência projetada pelo governo de Bolsonaro terá de passar por uma modificação da constituição sem que seja necessário revogar ou suspender a própria constituição. Como explica Tatiana Roque (“Démocratie au Brésil: une crise en trois actes”, texto comunicado pela autora), é essa constitucionalização da política econômica que permite compreender o papel desempenhado por Paulo Guedes no governo de Bolsonaro, e não Paulo Guedes que daria a este governo um vago tom neoliberal pela sua ideologia de Chicago Boy. Que a guerra contra a democracia se faça através do recurso cada vez mais sistemático da constitucionalização, do judiciário e da legalidade, não a impede de ser uma verdadeira guerra, obedecendo a uma lógica implacável que justifica de antemão a perseguição às minorias, a prática de assassinatos e a imposição de uma ordem moral.
Conclusão
A história dos velhos neoliberalismos apresenta uma diversidade interna que chegou muitas vezes à divisão ou à cisão, como a oposição entre “universalistas” e “constitucionalistas” sobre a Europa. Isso não é novo. O que há de novo no novo neoliberalismo, se não é o fato da divisão do campo neoliberal em correntes opostas, é que esta divisão opera sobre a questão de saber como expandir essa racionalidade do capital no contexto da crise pós-2008: ou prosseguindo e intensificando a constitucionalização das regras do direito privado à escala mundial ou a dos blocos regionais como a UE (os “globalistas”); ou exacerbando a concorrência entre os Estados por um nacionalismo que não seja somente econômico, mas também, e talvez sobretudo, identitário (os “nacionalistas”). Mas, seja como for, o que não gera dúvidas é que o novo neoliberalismo, com todos os seus componentes, globalistas ou nacionalistas, levam ao seu paroxismo a anti-democracia inerente ao antigo neoliberalismo.
Bibliografia
Brown, Wendy. 2018. Défaire le dèmos Le néolibéralisme, une révolution furtive. Paris: Editions Amsterdam.
Klein, Naomi. 2008. La stratégie du choc La montée d’un capitalisme du désastre. Arles: Leméac/Actes sud.
Salmon, Christian. 2018. «Le néolibéralisme sape la démocratie». Mediapart, Setembro.
Schmitt, Carl. 2016. Le Nomos de la Terre. Quadrige PUF.
Slobodian, Quinn. 2018. Globalists The end of empire and the birth of neoliberalism. Harvard: Harvard University Press.
Slobodian, Quinn. 2019. «Le néolibéralisme est travaillé par un conflit interne». Mediapart.
Viesti, Gianfranco. 2019. Verso la secessione dei ricchi ? Autonomie regionali et unità nazionale. Edizione digitale gennaio. https://www.laterza.it/.
Segundo ele, o debate atual dentro do neoliberalismo lembra o que teve lugar na integração europeia, na medida em que “se opõem os ‘universalistas’, defensores de uma ordem de mercado verdadeiramente global, construída a partir de cima, aos ‘constitucionalistas’, que preferem construí-la em escala reduzida, mas de forma mais segura, a partir de baixo”. (Quinn Slobodian, “Le néolibéralisme est travaillé par un conflit interne”, artigo publicado em Mediapart (2019)).↩
Mede-se assim a miopia intelectual e política que, sob o disfarce de uma história afiada das ideias, leva um Serge Audier a ver no neoliberalismo de Röpke um “liberalismo anti-capitalista” oposto à “utopia ultraliberal” de um Hayek, sob o pretexto de que ele buscaria no negócio familiar a cura para a massificação capitalista. Este elogio da “horta atrás da casa” é, de fato, parte integral do espírito empreendedor do neoliberalismo, uma vez que estende a forma-empresa para a própria família.↩