Introdução
Com o tema “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”, mais de 5 mil mulheres indígenas de 172 povos originários participaram da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas entre os dias 7 e 11 de setembro de 2021, em Brasília/DF. As mulheres indígenas organizaram o movimento com a finalidade de chamar a atenção para as pautas fundamentais do movimento dos povos indígenas, principalmente a votação dos projetos que garantem seus direitos, como os de ocupação das terras. A Marcha também teve a intenção de reivindicar outros direitos, como políticas de combate à violência de gênero, por exemplo. A escolha da data da Marcha coincidiu com o julgamento do marco temporal no STF (Recurso Extraordinário 1017365), que determina que os povos originários só teriam direito às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. Contando com uma estrutura de uma grande tenda, que também serviu como ponto de encontro para as atividades do acampamento, a partir da instalação de um grande telão os participantes acompanharam a leitura dos votos dos ministros, mas o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e ainda não há data certa para ser retomado.
A 2a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas foi organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). Nesta segunda edição, apesar do imenso acampamento montado no Eixo Monumental, uma avenida no centro da capital brasileira, a Marcha foi o tempo todo ameaçada por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e não conseguiu se manifestar em frente ao Congresso Nacional, tendo em vista as ameaças vindas de homens armados que passavam com seus caminhões ameaçando as indígenas. Esses apoiadores do governo Bolsonaro também dirigiram discursos agressivos contra o STF e bradavam palavras a favor de golpe militar e do fechamento do Congresso Nacional.
A 2a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas contou com o apoio de diversos movimentos indígenas brasileiros presentes na semana anterior para o acampamento indígena “Luta pela Vida”, também organizado para pressionar a votação do marco temporal. Vários caciques e lideranças indígenas se juntaram à II Marcha das Mulheres Indígenas e permaneceram acampados para ajudar na segurança do movimento, que contava com diversas crianças e pessoas idosas.
Testemunhos
Guerreiras Cutiara Terena e Irineia Terena
Integrantes da marcha organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), uma articulação de Mulheres Indígenas de todos os biomas do Brasil, com saberes, tradições, lutas que se somam e convergem, que juntou mulheres mobilizadas pela garantia dos direitos e vida dos povos indígenas.
Cutiara Terena: Sou do povo Terena do interior de São Paulo. O movimento é de luta, estamos na espiritualidade desde ontem. Para nós, os povos indígenas, é uma guerra que estamos enfrentando. Nós só queremos ter o espaço para dar continuidade a nossa geração e o governo só vem de encontro aos povos indígenas, é um governo genocida não só contra os povos indígenas, mas toda a sociedade vem sofrendo. Estamos numa guerra, é uma luta travada contra nós. Somos conhecidos por nossas lutas, este movimento está sendo de espiritualidade, de ancestralidade para a gente encontrar forças porque não está sendo fácil a luta da mulher indígena que hoje está tendo voz neste movimento. E é importante que a gente possa ter voz para defender o nosso povo que está sendo massacrado.
Irineia Terena: A gente saiu agora de uma reunião, a gente não dormiu de noite. A gente tava lembrando que bem lá atrás nosso avô acendia o chimarrão e a gente sentava na frente do fogo e ele dizia que ia chegar o dia que chegou hoje. É muito difícil como mulher, como mãe, comecei a pensar que estamos aqui nesta luta e o povo que ficou lá está querendo acompanhar, e eu fico pensando o que eles estão fazendo conosco aqui [ameaças dos caminhoneiros armados que rondam o acampamento], eles poderiam estar fazendo lá também. E o pajé disse que a gente fica dividida, que realmente hoje estamos vendo tudo isso que os nossos avós estavam nos preparando: este governo que aí está para exterminar o nosso povo, seja indígena ou não-indígena… Então isso é muito sofrimento. Não vamos poder sair hoje em marcha porque tem pessoas prontas para nos massacrar. Então resolveram que é melhor a gente ficar porque tem muitas mulheres grávidas, tem muitas crianças aqui. A gente se entristece porque este governo quer nos calar, quer calar não só a voz dos indígenas, mas do povo em geral. O povo indígena está lutando para sobreviver, a gente tem lutado para manter a nossa cultura viva, é difícil manter isso para as novas gerações que estão vindo. As mulheres têm ganhado espaço na sociedade, nas universidades. E no dia a dia a gente sofre o preconceito: o povo indígena não pode ter um lugar na sociedade, não pode ter autonomia, não pode ter um carro. É um direito dele de viver como ele quiser. E se ele tem o direito de ficar na terra, por que modificar isso? E ao mesmo tempo eles querem inserir o capitalismo nas comunidades indígenas, para quê? Isso dói, uma sociedade que não compreende a cultura e os anseios dos povos indígenas e um governo que não compreende nada.
Cutiara Terena e Irineia Terena
Mulheres indígenas do povo Terena do interior de São Paulo. Ambas participaram ativamente da marcha organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). A ANMIGA é uma articulação de mulheres indígenas de todos os biomas do Brasil, detentoras de saberes, tradições e engajadas em lutas que se somam e convergem. A ANMIGA mobiliza as mulheres indígenas na luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas e da condição feminina.